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Cartuchos e fliperamas: como eram adicionadas as trilhas sonoras em jogos antigos?

 Alô, pessoas!

A junção de efeitos sonoros, diálogos falados, música e qualquer outro som prouzido é chamada de trilha sonora. Trilha sonora, diferente de como é popularmente conhecido por abranger apenas a música, envolve todos sons produzidos em estúdio para dar uma imersão maior ao que está sendo exibido como um filme, um desenho animado ou um jogo. Ela trabalha em conjunto com as imagens para montar uma narrativa que prenda o espectador naquilo, que o ajuda a entender e se concentrar com o enredo apresentado. 

Dois jogadores entretidos com a trilha sonora dos jogos. Foto: IA/Edição

No caso dos jogos, tanto em jogos de fliperama muito antigos como Space Invaders (1978), quanto em jogos mais recentes para smartphones, a música e quaisquer outros efeitos sonoros podem ter a intenção de aliviar tensão ou causá-la. O jogador pode ficar empolgado com os próximos cenários do jogo, pode se emocionar ou se irritar a depender da abordagem que a junção de sons e imagens podem apresentar. Embora pareça muito comum atualmente os jogos possuírem trilha sonora e ser muito mais fácil de gravar e adicionar som em diversas produções devido à tecnologia que não para de se expandir, antigamente, mais precisamente a partir década de 1970, não eram todos os jogos que possuíam som e os que tinham, a trilha sonora era resumida apenas em efeitos sonoros.

O ano é 1972 e a Atari lança o seu primeiro jogo digital de sucesso na intenção de ser comercializado, o Pong. Assim se iniciou a era dos arcades (fliperamas). Pong possuía apenas um canal de áudio, o que significa que o jogador só conseguia ouvir um único som sem sobreposições de outros. A trilha sonora variava entre os beeps da bolinha batendo nas raquetes e nas extremidades da tela e o som que indica que a bolinha saiu da área, mostrando que o adversário marcou um ponto. O som desse arcade era produzido por curcuitos analógicos que eram capazes de reproduzir os beeps presentes no jogo. 

Gameplay do Pong

A tecnologia utilizada para reproduzir qualquer tipo de som em um jogo digital era muito limitada e os hardwares dos jogos não suportavam muito bem ruídos eletrônicos, o que explica jogos como Pong, Computer Space (1971)*¹, Space Race (1973), Gun Fight (1975) e entre alguns outros terem apenas efeitos sonoros repetitivos e uma variação sonora muito baixa até o final da década de 1970 e o começo dos anos 1980, década em que começou a utilizar chips específicos para reproduzir o som dentro dos jogos.

Quando se trata de música, é importante citar um dos maiores sucessos de arcade lançado, o Space Invaders, pela Taito em 1978, ao lado de Asteroids (Atari, 1979), representam os primeiros exemplos de música contínua dentro dos jogos digitais. Apesar de ser ainda muito limitado, Space Invaders é considerado primeiro jogo a possuir música contínua, mesmo que fosse apenas quatro notas que repetiam e aceleravam conforme os inimigos se aproximavam do personagem. No entanto, o jogo considerado academicamente como o primeiro a ter uma trilha musical propriamente dita, por ser mais elaborada, é o Rally-X (Namco, 1980). Nele é possível ouvir a sobreposição da música e dos efeitos sonoros.

Gameplay de Rally-X

A década de 1980 foi importante para a programação sonora nos jogos, pois nessa época as máquinas de fliperama passaram a ter em seus curcuitos chips sintetizadores de som como chips dedicados específicos para som ou chips geradores de som programáveis (PSGs), geralmente com tecnologia 8-bit, mas alguns jogos utilizavam tecnologia 4-bit e jogos mais modernos já utilizavam tecnologia 16-bit. Esses chips transformam impulsos elétricos em som a partir da síntese sonora. No caso de PSGs, formam-se ondas quadradas, senoidais, dente de serra e de ruído branco, mas em chips dedicados o processo de síntese pode funcionar de diversas outras formas. As ondas do PSG são responsáveis por cada som presente no jogo e cada uma reproduz um som independente com um efeito sonoro (passos do personagem, explosões etc) e uma trilha musical de acordo com a sua programação. 

Apesar de terem processos de geração de ondas distintas, esses chips progamados para reprodução de som possuem canais de áudio e cada um representa uma onda de formato diferente. Quando são reproduzidos simultaneamente, como é o caso de Tron (Midway/Walt Disney Co., 1982), o jogador consegue ouvir e distinguir os efeitos sonoros e a música porque a máquina de arcade possui, pelo menos, mais de dois canais de áudio. Dessa forma, quanto mais canais de áudio, mais sons será possível ouvir ao mesmo tempo.


Gameplay de Tron

Os consoles de mesa (ou consoles domésticos) estavam começando a se adaptar às tecnologias sofisticadas dos arcades ainda na década de 1970. No entanto, o primeiro console de mesa, o Magnavox Odyssey, lançado em 1972, não possuía tecnologia avançada o sufiente para geração de som. Então a Atari lança em 1977 seu próprio console doméstico, o Atari 2600, e seus jogos podiam reproduzir sons a partir de dois canais de áudio com tecnologia 4-bit, mas de forma ainda muito limitada e distinta dos fliperamas. Diferente das máquinas de fliperama, o Atari 2600 tinha em sua placa de circuitos um chip Television Interface Adapter (TIA) que funcionava como um conversor para que o som e o vídeo dos jogos fossem reproduzidos na televisão. O TIA era uma opção barata que não aumentaria o custo do console, mas reduziria significativamente a qualidade do som e dos gráficos em comparação aos arcades. 

O lançamento do Famicom, também conhecido por Nintendo Entertainment System (NES), em 1983 e do Sega Master System (1985) marca uma nova era de consoles domésticos na melhoria de gráficos e na capacidade de trabalhar com músicas e efeitos sonoros simultaneamente enquanto o jogador avança as fases do jogo. O NES tem cinco canais de áudio e foi um dos primeiros consoles de mesa a utilizar som gravado, ao invés de programado, em trilhas musicais graças a uma tecnologia chamada modulação diferencial do código de pulso (DPCM), responsável por conseguir reproduzir amostras curtas de sons gravados, como em Mike Tyson's Punch Out! (Nintendo, 1987) e os bongôs da trilha sonora Super Mario Bros 3 (Nintendo, 1988). Outro avanço do NES foi a adição de chips de expansão de áudio dentro dos cartuchos dos jogos. Os chips expansores adicionavam mais canais de áudio ao cartucho, que se misturavam com os outros cinco do console, criando uma experiência sonora muito mais agradável e interessante.

Gameplay de Super Mario Bros. 3

Em 1988, com o lançamento do Sega Mega Drive (ou Sega Genesis), a tecnologia 16-bit já era mais comum entre os jogos. Tanto a Sega, quanto a Nintendo, esta com o Super Nintendo (SNES) em 1990, passaram a ter mais canais de áudio e chips mais rebuscados. No caso do Sega Mega Drive, com onze canais de áudio, essa tecnologia foi utilizada para aprimorar os timbres eletrônicos a partir de síntese por modulação de frequência (FM), que é um auxiliar no alcance de melhores timbres; de modulação por codificação de pulso (PCM), responsável por representar sons analógicos em sons digitais; e de mais quatro canais PSG. Toda essa tecnologia é perceptível na trilha sonora do clássico Streets of Rage (1991), composta por Yuzo Koshiro.

Gameplay de Streets of Rage

Já no SNES, com seus oito canais, os chips eram programados para imitar timbres de instumentos acústicos com síntese por wavetable, sendo uma opção mais cara que ocupava um espaço maior dentro dos jogos, além de tecnologia MIDI, o que foi capaz de compatibilizar as amostras gravadas no formato apropriado para os jogos, e um chip Digital Signal Processing (DSP) que melhorava os efeitos sonoros em jogos como The Legend of Zelda: A Link to the Past (1991), adaptando o tamanho dos áudios, e os reproduzia nos auto-falantes da televisão.

Gameplay de The Legend of Zelda: A Link to the Past 

Nesse mesmo período surgiu os primeiros usos de discos CD-ROM que melhoravam significativamente os gráficos, a trilha sonora e o armazenamento em consoles. Assim, eles passaram a ter leitores de CD como expansores. O Sega Mega Drive tinha um expansor que possuía novos chips e o leitor de CD, conhecido por Sega CD. Ele tinha mais canais de áudio e era capaz de reproduzir sons gravados, como é visto em Sonic CD (1993), em que a trilha sonora foi gravada em arquivo de áudio. 

A Nintendo tinha um projeto parecido e, em parceiria com a Sony, quase lançaram o Super Nintendo CD, mas o projeto não avançou e no lugar do SNES CD, veio o Nintendo 64 em 1996, que ainda utilizava cartuchos para reproduzir os jogos. Apesar de a parceiria com a Nintendo não ter lançado o SNES CD, a Sony aproveitou a ideia e lançou o Sony PlayStation em 1994. Assim, a partir dessa época, os consoles também começaram a utilizar chips PSG e, mais tarde, áudio gravado. Essa tecnologia proporcionou os compositores para jogos mais criatividade e liberdade para compor a trilha sonora desses jogos, dos quais destaca-se um dos maiores sucessos do Nintendo 64 e considerado uma das obras-primas da empresa, o jogo The Legend of Zelda: Ocarina of Time (1998), com sua trilha sonora composta por Koji Kondo, considerado um dos maiores compositores de música para jogos.

Gameplay de The Legend of Zelda: Ocarina of Time

O começo dos anos 1990 marca um momento de avanços tecnológicos para jogos digitais. Assim, a era de cartuchos e fliperamas começa a abrir espaço para a nova era dos consoles com tecnologias muito superiores a 16-bit que avançavam rapidamente com qualidade de som melhores com tecnologia 32-bit e 64-bit: os jogos em CDs e jogos em disquetes para computadores, que futuramente avançariam para a qualidade sonora e gráfica que conhecemos atualmente.


Computer Space é um antecessor do Pong, desenvolvido pelos mesmos criadores da Atari, Nolan Bushnell e Ted Dabney. Mas na época eles trabalhavam na empresa Nutting Associeates. O jogo não teve a recepção que se esperava. Pouco tempo depois Bushnell e Dabney saíram da empresa e fundaram a Atari. Saiba mais em The MIT Press Reader.

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